terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Dia Claro



Desperta, meu amor
Desperta

Desmancha seu corpo leite
No leito mole

Desdobra no meu corpo
Seu peso

Que nem lençol limpo
Que encobre e (a)coberta...

... é a sua pele
Que clareia o quarto todo
E não o sol parido pela janela

Bebo o vinho feito do teu suor
Da tua saliva
Da tua lágrima
Do líqüido que teu gemido produz

Cato desejos com tato
No ato te mato com trato
Às cegas, faço cócegas,
Você se coça, me roça e ri

É um dia claro com vento morno
E nós vamos ficando por aqui...

domingo, 26 de outubro de 2008

Vocação



O que mais me encanta
É sua vocação pra alegria
É o modo como faz valer o meu dia.

É quando você canta
E adora uma mordomia
E bate na madeira, cheia de mania.

É uma leveza tanta
Que tento imitar em poesia
Que você leia, sinta meu amor e sorria.

Para o meu amor.

domingo, 3 de agosto de 2008

Do ócio



Meu doce,
Ocê é o ócio
Onde sacio
Meu cio
Ocê
É o oceano
Dócil
Onde durmo macio

O que gosto
Do quase-agosto
É o gosto doce
E que é docê.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Cartilha do amor silencioso



A cartilha do amor silencioso
Tem algo de singelo e formoso
Tem o semblante doce e misterioso
E só pode ser lida
Com um olho fechado
E o outro curioso.

A cartilha do amor silencioso
Tem algo de modesto como um moço
Que se ajoelha aos pés da amada
Mas na hora de enlaçar a enamorada
Apenas diz não, e beija-lhe o rosto.

A cartilha do amor silencioso
Tem algo de menino charmoso
Que evita tecer elogios em riste
Que finge que esse amor é algo de triste
Apenas pra atiçar e discutir e daí surgir um amor mais carinhoso.

A cartilha do amor silencioso
É composta apenas por essas letras:
As do seu nome
E todas as palavras formadas são dele sinônimos.

A cartilha do amor silencioso
É um gesto silencioso de canção
Que só pode ser decifrada de um único jeito:
Ouvindo as batidas do meu peito
Que terminam em batidas no seu coração.

Venecia Corrado

Nesse amanhecer
Ouve no silêncio interior
Meu silêncio anterior
Ao gesto do som de ser.

Quieto, pulsando
Estou debulhando aromas
Irradiando poemas,
Todos naturais e simples,
Em profusão.

Alguns esverdeados
Cheios de confusão...
Mas os maduros
- Ah!
Suculentos e redondos
Poemas risonhos
De puro amor e devoção
Esses devoram
A fruta da saudade
E saciam e fartam
O meu frágil coração.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Jornada do Guarda-Amor



Enamorado não era homem de posses. Não tinha carro, não tinha mala. Mal tinha bolso da calça.

Quando os homenzinhos feios do destino resolveram afastá-lo do seu grande amor, ele não tinha espaço pra levar e guardar alguma recordação dela.

A sua amada quis entregar-lhe um pacote, mas o enamorado não tinha como carregar na longa viagem.

A sua amada ofereceu uma foto sua, mas o enamorado não tinha livro pra por dentro e por isso podia amassar o presente.

A sua amada ainda tentou um anel, uma presilha, um brinco também. Mas ele explicou:

- Amor, espaço não tem. Tenho que ir sem.

Então lembraram das coisas que se sente. Um abraço, um beijo, um cheiro, um som, uma recordação.

Mas o enamorado não se deu por satisfeito, pelo contrário, indignou-se:

- Um abraço some da pele e o carimbo do braço também. Um beijo não deixa com ele a boca ou uma fatia que seja. Um cheiro se embaraça com outros cheiros que cruzar: seja comida, seja futum, seja de chuva, seja de pum. O som é quase igual ao cheiro, tirando que não tem nem cheiro. E a recordação é coisa que é mais da mente que da gente. A mente vai mentindo tudo conforme lhe atente.

Já choravam de saudade, uma saudade fatalista, aquela que não deixa marcas nem restos do outro impressos em si. Foi então que o enamorado correu os olhos no corpo da sua amada.

Era uma pele branca, branquinha, que parecia oceano de leite quente açucarado. Parecia lençol limpo com amaciante, parecia livro novo na estante. Um corpo áureo, igual dia branco. Sua intuição dizia que o segredo estava naquele corpo pleno. Era ali que devia encontrar um universo infinito todinho espremido numa célula.

Célula? Isso! Levaria uma... não, é coisa complicada deveras. E perigoso. Um olho? Mas deixaria a amada caolha? E ele poria onde se ele próprio já estava cheio com seus dois olhos? Nariz também. Orelhas, cabelos, unhas, boca, dentes, língua, braços, pernas, umbigo, coxas, joelhos, canelas, calcanhares, pés, unhas, ossos, músculos, veias, órgãos, líquidos, sim. Cada um, tanto ele como a amada, tinham tudo certinho, na medida exata pra cada porção individual.

Foi então que o enamorado reparou naquele corpo que parecia um dia branco. Sim. Um dia de temperatura leve e ensolarada. E viu que estava diante dum milagre. Pois se o corpo dela era mesmo um dia branco, se era manhã de primavera iluminada, como podia haver tantas estrelas naquele firmamento alvo? Como podia haver tantas estrelas cintilantes na brancura daquela alvorada límpida? Ah!!! Eram pintinhas. Pintinhas espalhadas e até luxuosas. Um luxo supérfluo. Um excesso onde não faria falta uma a mais ou uma a menos.

E no corpo do enamorado tinha espaço de sobra pra uma pintinha a mais. Com muito cuidado, como quem tenta pegar uma formiga na mão, ele veio catando a pintinha da amada. Uma perto do quadril. Era um filhotinho de pinta. Colheu-o assim com a mão e pousou sobre seu ventre moreno.

Pronto. O enamorado pôde seguir sua jornada, carregando sua amada quase toda. Quase toda sim, pois quem garante se é o corpo que tem uma pinta ou é a pinta que tem um corpo?

E agora, enquanto não chega o reencontro tão aguardado, ele mata a saudade dela em si, pois no mapa do seu corpo, está guardado um trecho do céu da sua amada.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Pé de firmamento



Na estrada para o sol
Poeira é nuvem

Na entrada para o céu
Palmeira é raio

Um galho de raio
Arranha o semblante azul
E o infinito
Fica mais bonito
Ferido

Silêncio: racha dura racha dura rachadura...

(Cada raio é raiz arrancada)

O monumento azul
Desaba
Pelos corredores do ar
E se acaba!
Feito um cadáver
Chamado mar

(Quantos céus desabaram para um oceano se formar)...

Mas basta sobrar um pé de firmamento
Bom de se pendurar estrela
Para o menino, cheio de atrevimento,
Subir para acendê-la.