sábado, 1 de dezembro de 2007

A noite que restou



Quem vem lá?
Acendendo a noite
Com uma outra noite
Em forma de sorte
Secreta até pra mim?

Quem vem lá?
Um hospedeiro forte
Que vem sugar-me a morte
Que estava entranhada
Estancada
Em sangue
E com sua boca amorosa
Foi despejada
Virou mangue
E fez de tudo treva
Menos a mim
Um Sol
Livre de fim?

Serafim?
Qual será teu nome?

Mostra-se-me inteiro
Companheiro
Deixa esse breu seu
Esse mucoso pântano
Que é o futuro das previsões
Do que ainda não tem forja
Nem tem feito

Surja-se no plano da existência
E traz-me à plena consciência
Da alvorada.

Mas se preferir
Envolva-me no teu manto
De noite...
Que eu anoiteça
Dentro do seu dia
E desapareça
Da face do que sou.

A sua noite sendo tudo o que de mim restou.

Grandes expectativas



Num casarão arruinado
Meus sonhos foram deixados
Entre móveis e ratos
Cobertos de folhas e mato...

(...)

Desconfie sempre
Quando um feixe de luz
Banhar de claridade intensa
Uma treva imensa:

Deve ser obra da mulher
Usando pele perfumada
Cheia de afeto secreto
Cheia de maldade adestrada

Previ naquele lance
Que assim que tivesse chance
Ela me poria em cheio
Um coração partido ao meio

Toda minha motivação
Toda gana por grana e devoção
É pra alcançar essa Estrela
Só pra inventar de merecê-la

Agora ela, que é meu território,
Leva-me até a paisagem de ponte
Onde somos meras silhuetas
E convida-me ao casório?

Quanta crueldade!
Por que me tortura
Por que ser de alguém que só atura
Se sou eu seu amor de verdade?

"Não faça isso!", repito.
Nada disso digo na realidade.
Apenas sigo contrito, aflito,
Contra a tempestade.

Mas aí me encho de conflito
E acho que posso
Virar um colosso
Pra fazer o que é preciso
Não por cobiça
Mas por direito de nascença
E faço:

Entro no elegante restaurante
Como se fosse um gigante
Deixo a boa gente constrangida
Tem madame sussurrando fingida

Alguns estão zombando
Outros estão me evitando
Mas do fundo dos nossos olhos
Nossos olhos estão se olhando

E eu a convido pra dançar
E parece que a gente flutua
Entre as mesas, pela cozinha,
Pelo bar até à rua

E na tempestade eu bebo
O seu beijo na minha boca
O tempo parece refeito
Ela, ofegante, rouca,
Arfa no meu peito,
Satisfeita, pouca.

E meu coração
Antes quebrado
Sente nesse sopro quente
Que foi reparado
E é como se eu nunca tivesse deixado
De a ter, por toda a minha vida,
Amado.